INSS quebrou regra antifraude e deu vantagem a sindicato na gestão Bolsonaro
Documento mostra desbloqueio irregular que permitiu o desconto na folha de 30 mil aposentados e pensionistas em 2022, em uma operação semelhante à que derrubou o presidente do instituto no governo Lula.
A menos de uma semana das eleições presidenciais de 2022, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) conduziu uma operação irregular para que a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) passasse a descontar mensalidades de mais de 30 mil aposentados e pensionistas, sem que eles tivessem solicitado.
A manobra foi feita em um momento em que o presidente Jair Bolsonaro estava atrás do candidato Luiz Inácio Lula da Silva nas pesquisas. O procedimento foi autorizado pelo INSS por meio de um desbloqueio em lote de benefícios previdenciários, violando as regras da previdência e a legislação federal que rege os processos administrativos, sem qualquer fundamentação técnica, conforme detalhou um relatório da Auditoria-Geral do INSS obtido pela piauí.
O episódio é semelhante ao ocorrido no governo Lula em novembro de 2023, também com o desbloqueio em lote de mais de 30 mil benefícios previdenciários a pedido da Contag. Foi com base nesta autorização indevida que a Polícia Federal pediu o afastamento do então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, aceito pela Justiça Federal na Operação Sem Desconto, em 23 de abril.
Agora, as evidências apresentadas pela Auditoria-Geral do INSS nesse novo relatório, de que um expediente semelhante já havia ocorrido ainda no governo Bolsonaro, podem alterar a linha do tempo das irregularidades sob apuração da Operação Sem Desconto, fazendo com que a Polícia Federal possa investigar a cúpula do INSS na gestão passada.
O pedido da Contag chegou ao INSS em 13 de setembro de 2022. Em 26 de setembro, o INSS solicitou à Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência (Dataprev) o desbloqueio dos 30 mil benefícios previdenciários para inclusão de descontos associativos para a maior entidade sindical rural no Brasil. A medida foi implementada pela Dataprev em 28 de setembro, quatro dias antes do 1º turno das eleições.
Na ocasião, o presidente do INSS era Guilherme Serrano. Seria uma imprecisão dizer que ele deu uma “canetada” para liberar o desconto, já que o relatório da Auditoria-Geral do INSS destaca que não foi possível localizar nenhum processo administrativo a justificar a medida de desbloqueio. O documento, no entanto, descreve uma mensagem recuperada no sistema de comunicação Clarity, o canal em que o INSS realiza demandas à Dataprev. Ela dizia:
“Considerando e-mail recebido da Contag em 13 de setembro de 2022, com autorização da presidência do INSS, solicito desbloqueio dos benefícios listados em anexo para que sejam efetuados descontos em favor da entidade citada.”
O relatório da Auditoria-Geral do INSS apontou o “caráter incomum do procedimento”. Para justificar seu estranhamento, elencou os motivos: afirmou que a Dataprev não cobrou valores para executar o comando do INSS (o documento não informa quanto deveria ser pago) e que a demanda foi atendida “em caráter emergencial”. Mais grave ainda: a operação descumpriu o Regulamento da Previdência Social (Decreto nº 3.048/1999), que exige a “autorização prévia, pessoal e específica” do aposentado ou pensionista para o desbloqueio de seu benefício.
Em resumo, por força deste decreto, quando alguém se aposenta pelo INSS, o seu benefício previdenciário fica bloqueado – ou seja, o valor de sua aposentadoria não pode sofrer descontos – até que o titular solicite diretamente o desbloqueio, por meio dos canais formais de atendimento. Só depois de o aposentado dar uma “autorização prévia, pessoal e específica” para o desbloqueio, vem a segunda etapa, que é a inclusão do desconto nas mensalidades da aposentadoria em si. E é nesse segundo momento que acontecem as fraudes, quando as entidades encaminham ao INSS documentos forjados dos aposentados para simular que eles próprios estavam solicitando o desconto na mensalidade.
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