Arthur Lira patrocina prefeito suspeito de desvios milionários em Alagoas
Folha - Gilberto Gonçalves e Arthur Lira foram colegas de bancada no Partido da Mobilização Nacional (PMN) na Assembleia Legislativa de Alagoas. Participaram, como tal, de um gigantesco esquema de desvio de dinheiro, de cerca de 300 milhões de reais, alvo da Operação Taturana, deflagrada pela Polícia Federal em 2007. Gonçalves foi preso, e Lira, afastado do cargo. Ambos foram indiciados. Condenado por improbidade administrativa em duas instâncias, Arthur Lira até hoje recorre da sentença. Agora, um novo caso de desvio de dinheiro em Alagoas pode unir novamente os dois antigos aliados, hoje correligionários no partido Progressistas. O primeiro no papel de prefeito do município de Rio Largo (AL), suspeito de desvio de 12 milhões de reais em contratos do município que envolvem recursos públicos federais. O segundo, presidente da Câmara dos Deputados, na condição de quem abastece os cofres da prefeitura com milhões de reais.
O que a Polícia Federal descobriu em Rio Largo, município de 75 mil habitantes na região metropolitana de Maceió, já motivou a apresentação à Justiça de um pedido de prisão de Gilberto Gonçalves, no início de julho. A defesa conseguiu a suspensão temporária da investigação, por ela ter iniciado na primeira instância — prefeitos só podem ser processados criminalmente na segunda instância, graças à prerrogativa do foro privilegiado. Mas os investigadores aguardam uma nova decisão para dar continuidade ao caso na segunda instância. E a liminar não anula o que foi apurado até aqui, com fortes indícios de desvio de dinheiro.
Um relatório e uma representação da Polícia Federal, que vazaram durante a última semana, apresentam um espantoso esquema de desvio de dinheiro a jato. O resumo é que a prefeitura, abastecida com recursos públicos federais das áreas da saúde, educação e assistência social, faz pagamentos para duas empresas, e as verbas voltam para o próprio prefeito imediatamente. O prefeito ordena os pagamentos, e seus funcionários e seguranças armados vão buscar o dinheiro sacado por representantes das empresas, segundo a Polícia Federal. Além da análise de movimentações bancárias e da coleta de informações sobre laranjas envolvidos, a investigação conseguiu flagrar a rota do desvio do dinheiro.
As imagens impressionam. Durante quatro dias seguidos, pessoas a serviço da empresa Litoral Construções e Serviços Ltda sacam dinheiro da conta da empresa em uma agência da Caixa Econômica Federal em Rio Largo. Em seguida, em um Chevrolet Agile vermelho, dirigem-se até uma ruela que fica no meio do caminho entre a agência bancária e a prefeitura. No beco, que não chega a 100 metros de extensão, o carro vermelho encosta ao lado de uma caminhonete Fiat Toro branca. Os vidros se abaixam, e uma caixa é repassada do carro vermelho para o carro branco. A Toro branca então retorna à prefeitura. Seus ocupantes, segundo a PF, são funcionários e seguranças armados do prefeito Gilberto Gonçalves. Esse passo a passo ocorreu entre nos dias 30 e 31 de maio, 1º e 2 de junho. Agentes da PF e câmeras de segurança nas ruas filmaram tudo. Em cada dia, foram sacados 49 mil reais — segundo dados obtidos pela PF junto ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Para os investigadores, os saques voltaram para o prefeito como pagamento de propina.
A Litoral é uma das empresas envolvidas no caso. A outra é a Reauto Serviços e Comércio de Peças. Desde março de 2018 até fevereiro de 2022, os valores repassados às duas empresas, somados, chegam a 18,4 milhões da prefeitura, segundo a PF. As fontes dos recursos são Fundo Nacional de Saúde/SUS, Fundo Municipal de Saúde e até precatórios do Fundo Nacional da Educação Básica (Fundeb). As empresas não possuem, porém, capacidade operacional para prestar os serviços para os quais são contratadas, como o fornecimento de materiais, de acordo com os investigadores, “servindo apenas para emissão de notas fiscais visando lastrear os desvios perpetrados”. A Litoral, por exemplo, nunca possuiu empregados formalmente registrados, de acordo com pesquisas no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).
O tamanho do rombo nos cofres públicos pode ser de 12 milhões de reais, segundo a PF, com os desvios no período da investigação, entre 2019 e 2022. Nesse período, foram realizados quase duas centenas de saques “na boca do caixa”, com o valor de 49 mil reais — como aqueles flagrados pela polícia. Segundo a PF, a escolha desse valor específico, 49 mil, “claramente visa burlar o sistema de controle” do Banco Central e do Conselho de Controle das Atividades Financeiras (Coaf), que dispara alertas sobre saques a partir de 50 mil reais. Alguns desses saques “foram realizados imediatamente após repasses de recursos públicos efetuados pelo município de Rio Largo”, assinala o relatório.
A maior parte dos saques foi neste ano de 2022. “Entre 01/01/22 e 15/06/22, a Litoral recebeu do município de Rio Largo/AL, somente em uma conta, o valor de R$ 3.376.684,26, a partir da qual foram realizados 60 (sessenta) saques no valor individual de R$ 49.000,00, totalizando R$ 2.940.000,00”, escreveu a PF. Os donos da empresa, segundo a PF, “residem em uma humilde residência na periferia do longínquo município de São Paulo/SP”.
“O atual Prefeito de Rio Largo/AL, Gilberto Gonçalves da Silva, comanda uma verdadeira organização criminosa instalada no seio da prefeitura municipal de Rio Largo/AL, destinada a desviar recursos públicos federais repassados ao município, e também verbas municipais, no bojo dos mesmos contratos”, escreveu a PF em um relatório vazado. A investigação aponta que os secretários municipais de Finanças, Educação, Saúde e Assistência Social, atuavam em auxílio ao prefeito no esquema.
Para reforçar a vinculação entre o pagamento e o saque, a PF mostra que, no dia 7 de janeiro deste ano, a prefeitura fez quatro transferências em favor da Litoral, com valores totais de 333 mil reais (R$ 20.282,50, R$ 257.982,77, R$ 49.479,03, R$ 5.511,35). No mesmo dia é realizado um saque da conta da empresa com o valor de 49 mil reais e, até a data de 14 de janeiro, são feitos outros seis saques no mesmo valor, totalizando 343 mil reais.
“Em 6 (seis) dias úteis seguidos foram realizados 7 (sete) saques na mesma conta da LITORAL, com o mesmo valor de R$ 49 mil reais, logo após tal conta ter recebido valores de Rio Largo/AL, remetidos pelo próprio Prefeito GILBERTO GONÇALVES, totalizando, apenas aí, a bagatela de R$ 343.000,00 (trezentos e quarenta e três mil reais) gualdripados dos cofres públicos de Rio Largo/AL! É um apetite insaciável por dinheiro público!! Ressaltando-se que essa dinâmica se repete ao longo de todo o período investigado, desde o início da ‘contratação’ da LITORAL”, escreveu o delegado da Polícia Federal responsável pelo caso.
O novo caso é esclarecedor sobre como é fácil desviar as verbas públicas federais que chegam nas prefeituras. O flagrante da prática do saque e devolução de valores joga luz sobre o tema mais comentado nos bastidores do Congresso, mas que ninguém admite em público e é muito difícil provar: a “volta”. Isto é, o recebimento, por deputados ou senadores, de dinheiro público desviado após o envio de emendas parlamentares.
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